A pintura mal-amanhada que Luís Faro Ramos fez da acção do Instituto Camões saltou à primeira raspadela. Veio por lã, vai tosquiado.

Ao abrigo da Lei da Imprensa, o presidente do Camões, que é também diplomata de carreira, escreveu ao director do PÚBLICO acusando-me de “incorrecções e deturpações”, a propósito do meu artigo sobre o ensino do português no estrangeiro. Ficam as sete “correcções” do presidente e as minhas respostas. Porém, antes de passar à substância da questão, declaro que esta disputa epistolar acaba aqui, porque não estou disponível para polemizar com pessoas que falam do que não sabem, só por terem papel timbrado à mão.

1. Sobre a dimensão da rede.

2. Sobre a aplicação da taxa apenas ao “ensino paralelo” e os acordos bilaterais.

No artigo, eu escrevi que o processo de cobrança é iníquo porque, se os filhos dos emigrantes têm as aulas em conjunto com alunos dos países de acolhimento, ficam isentos. Onde está a incorrecção que o presidente do Camões viu? Ele diz o mesmo que eu digo. Eu sou claro. Ele complica. Entendamo-nos:

Há situações em que as aulas integram alunos estrangeiros que querem aprender português e alunos portugueses emigrados (ensino integrado ou complementar). São cursos integrados nos horários de escolas públicas dos respectivos países, que interditam qualquer tipo de pagamento por parte dos pais. Quando a propina foi criada, o Camões tentou cobrá-la a estes alunos portugueses emigrados. Só que as autoridades escolares locais reagiram, dizendo que se Portugal fizesse isso teria de prescindir das salas disponibilizadas gratuitamente pelos Estados de acolhimento. O anterior secretário de Estado, José Cesário, chegou a afirmar que a propina seria para todos, mesmo que acabassem os acordos bilaterais. Mas não acabaram. Foi então que se criou a iniquidade que denunciei no artigo. Com efeito, em todas as outras situações, em que o cenário descrito não se verifica e os filhos dos emigrantes têm as suas aulas de modo isolado (ensino designado por “ensino paralelo”), Portugal cobra uma taxa por aluno. Termos em que tudo o que escrevi está certo e o presidente do Camões apenas o confirmou, acrescentando ruído.

3. Sobre as reduções das taxas e a inclusão de um manual.

Mais uma vez o presidente do Camões confirma o que escrevi, quando disse ter sido instituída a obrigatoriedade de os emigrantes pagarem 100 euros anuais, para os filhos fruírem do direito constitucional de aprenderem português como língua materna. Não há incorrecção ou deturpação. Eventuais reduções não derrogam a obrigatoriedade. Juntar um manual escolar, um saquinho de gomas ou um pin do Ronaldo não alteraria a substância do que afirmo: foi instituída uma taxa de 100 euros, vergonhosa e inconstitucional.

4. Sobre a garantia de nenhum aluno ter sido expulso na Suíça por falta de pagamento da taxa.

5. Sobre a transformação do ensino em “português como língua estrangeira” e sobre o conceito “língua de herança”.

Nada há no que escrevi a este título que permita, em sede de Lei de Imprensa, invocar o direito de rectificação. O presidente do Camões confunde velocidade com toucinho. As considerações que faz são de âmbito pedagógico e didáctico. Embora dispense lições de pedagogia ou didáctica ministradas por um embaixador com formação jurídica, que nunca deu uma aula, poderia contraditar-me em polémica académica. Se o tivesse feito, ser-me-ia fácil demonstrar, pela análise da produção escrita do Camões e dos manuais que patrocina, que sim, que desapareceu a vertente “língua materna” para dar lugar à vertente “língua estrangeira”. Mas se há algo passível de correcção é o uso da expressão “língua de herança”, treta terminológica, como tantas inventadas pelos “pedabobos” que tomaram de assalto o nosso sistema de ensino. Enxergue-se o presidente do Camões:

O Regime Jurídico do EPE [DL n.º 165/2006, de 11 de Agosto, art.º 4.º, n.º 1, a)] consagra, apenas, as seguintes vertentes do ensino e aprendizagem da língua portuguesa: língua materna e não materna, língua segunda e língua estrangeira. A referência a outra modalidade, não prevista nos textos legais, o denominado “português língua de herança”, é uma diletância que lhe está vedada, enquanto presidente do Camões.

6. Sobre a imposição de exames.

O presidente do Camões tresleu as simples três linhas que escrevi sobre a matéria. Eu sei que o processo é voluntário. Mas não digo que o Camões impôs que todos se sujeitem ao processo. Digo é que aqueles que se sujeitam ao processo têm, obrigatoriamente, exame na lógica de “português para estrangeiros”. Eu não escrevi que o Camões impôs exames de português para estrangeiros no “Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas”, como ele disse. Felizmente para todos os europeus, o presidente do Camões não poderia impor nada em sede de uma decisão da Europa. O que eu escrevi é que os exames que ele impôs têm por norte aquele quadro, que é coisa bem diferente. A não captação da diferença compreender-se-ia se partisse de um diplomado pelas “Novas Oportunidades”. Mas é inaceitável no presidente do Camões.

7. Sobre a criação de grupos de aprendizagem conjunta.

Mais uma vez, o presidente do Camões não rectifica o que escrevi. Confirma e acrescenta uma explicação que remete para a caldeirada pedagógica que defende: alunos de seis anos misturados com alunos de 16. E omite que os invocados “níveis de proficiência” não impedem que um aluno de seis anos, que fale português escorreito, por ser sempre considerado em “iniciação”, vá parar a um grupo onde tem colegas de 16 anos, com conhecimento quase nulo de português.

 

O presidente do Camões sucumbiu à endemia de catarro das formigas e espirrou. Santinho!

A pintura mal-amanhada que fez da acção do Camões saltou à primeira raspadela. Veio por lã, vai tosquiado.

[Público.pt]

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