Ultimamente, várias têm sido as situações que me fazem pensar que a atual maioria governativa não tem estratégia definida para a gestão da língua portuguesa que vise o seu fortalecimento e vitalidade, antes parece navegar à vista, sem bússola nem quadrante. Trago hoje uma dessas situações, que me encheu de perplexidade.

O texto do Decreto-Lei n.º 165/2006, que estabeleceu o regime jurídico do ensino português no estrangeiro, começa assim: “Assegurar o ensino e a valorização permanente da língua portuguesa, defender o seu uso e fomentar a sua difusão internacional constituem tarefas fundamentais do Estado, tal como se encontram definidas na Constituição. (…) o Estado está ainda incumbido da defesa e promoção da cultura portuguesa no estrangeiro e de facultar aos filhos dos portugueses residentes no estrangeiro o acesso a essa cultura, bem como ao ensino da língua materna,” o que é determinado pelo Art.º 74.º da Lei Fundamental.

Em 2009, é publicado o Decreto-Lei n.º 165-C/2009, sobre a gestão da Rede de Ensino de Português no Estrangeiro, que passa da tutela do Ministério da Educação para a do Instituto Camões, I.P. Em 2012, o Decreto-Lei n.º 234/2012 introduz-lhe novas alterações ao texto de 2006, reforçando o papel do agora “Camões, I.P.” e instituindo a possibilidade de “pagamento de taxa de frequência, designada por propina” (Art.º 5.º, pontos 6 e 7); a dita propina é instituída para os alunos do ensino básico a residir no estrangeiro que aprendem português em regime paralelo, i.e., em horário não letivo e em articulação com associações culturais de emigrantes. Em 2016, Decreto-Lei n.º 65-A/2016 introduz terceira alteração ao texto de 2006, mantendo, porém, o pagamento de propina; o mesmo se passa com o Decreto-Lei n.º 88/2019.

Logo em 2013, deu entrada na Assembleia da República uma petição assinada por 4513 pessoas, “Contra a propina de 120 euros e pela manutenção do Ensino do Português nas Comunidades Portuguesas”; o assunto subiu a plenário em 2014 e o PS, então pela voz de Luís Pisco, apoiou o seu conteúdo, atacando asperamente o Governo da época. Em 2020, entra na AR nova petição, intitulada “Português para todos! Pelo direito das nossas crianças e jovens a um Ensino de Português no Estrangeiro de qualidade e gratuito”, com 4524 assinaturas; entre as solicitações apresentadas, conta-se, entre outras, a abolição da propina instituída em 2012, que, de acordo com o texto, fez passar o número de alunos portugueses a frequentar a rede EPE dos 68 mil, em 2008, para os 45 mil, logo após 2012, continuando esse número a descer até hoje. Esta petição suscitou a apresentação de nove iniciativas legislativas, por todos os partidos representados exceto o PSD. O assunto subiu a Plenário a 30 de novembro p.p. Das iniciativas, a única a ser aprovada, o Projeto de Resolução N.º 290/XV/1.ª, apresentado pelo PS; o Projeto de Resolução “Recomenda ao Governo que reforce o Ensino de Português no Estrangeiro nas suas diferentes dimensões e intensifique o uso das tecnologias digitais para o tornar mais atrativo, interativo e ajustado ao perfil dos alunos”, mas sobre a abolição da propina instaurada em 2012 não diz nem uma palavra.

A instituição do pagamento de uma propina para o regime paralelo constituiu, em 2012, (mais) um atropelo à Lei Fundamental pelo XIX Governo Constitucional. Que a maioria dos deputados que suporta o XXII Governo tenha votado, ao lado do PSD, contra a sua abolição dá que pensar.

Feliz Natal!

Margarita Correia

In Diário de Notícias

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