Para ordenar as ideias, é forçoso que comece este artigo citando a Constituição da República Portuguesa (CRP), como segue:

“São tarefas fundamentais do Estado… assegurar o ensino… defender o uso… e promover a difusão… da língua portuguesa”. (Art.º 9º, alínea f); “Na realização da política de ensino incumbe ao Estado… assegurar aos filhos dos emigrantes o ensino da língua portuguesa…”. (Art.º 74º, nº 2, alínea i).

Apesar disto, atropelando isto, ironicamente logo após termos comemorado a recuperação da nossa independência, no passado dia 2 de dezembro foi negado às crianças e aos jovens portugueses que vivem no estrangeiro o direito de acesso universal e gratuito ao ensino do Português.

Recordemo-nos que foi em 2012, durante a intervenção da troika, que os emigrantes portugueses passaram a ser vergonhosamente obrigados a pagar 100 euros anuais para que os seus filhos possam ter acesso ao direito constitucional do ensino do Português no estrangeiro (DL n.º 234/2012). Agora, um projeto de lei da iniciativa do PAN propunha o fim dessa medida. Mas foi chumbado na Assembleia da República, com os votos contra do PS e as abstenções do PSD e da IL.

Percebendo-se a abstenção do PSD, porque foi conivente com a medida durante a situação de emergência nacional, é incompreensível a orientação de voto do PS, uma vez que, em 2012, considerou a instituição do pagamento uma flagrante violação da Constituição, criando uma inadmissível situação de desigualdade e, portanto, uma enorme injustiça (cf. Sol, 10 de abril de 2012).

Entendamo-nos: o que está em causa é um inaceitável desinvestimento no ensino do Português como língua materna. Com efeito, o regime jurídico do ensino do português no estrangeiro define claramente que cabe ao Estado a promoção do ensino do Português quer como língua materna e não materna, quer como língua estrangeira (DL n.º 165/2006).

Naturalmente que é importante o ensino do Português como língua estrangeira, integrado nas atividades reconhecidas dos sistemas de ensino dos países estrangeiros. O que não é possível aceitar é a situação de injustiça em que caem os filhos dos emigrantes que, não tendo aulas de Português curricular nas suas escolas, em conjunto com alunos dos países de acolhimento, pagam para ter o que os estrangeiros têm sem pagar.

É preciso notar que mesmo a rede de cursos do ensino de português no estrangeiro, para a Educação Pré-Escolar e os Ensinos Básico e Secundário, neste ano letivo de 2022/2023, é já exígua. Apenas opera na Alemanha, Andorra, Espanha, Luxemburgo, Bélgica, Países Baixos, França, Reino Unido e Suíça (Despacho n.º 11225/2022). Tudo o resto são iniciativas independentes, de entidades escolares ou associações locais, nas quais o Estado português não gasta um cêntimo.

Tudo visto, os alunos inscritos na rede de Português no estrangeiro continuam a diminuir, bem assim como os professores. Portugal fica mais longe da diáspora e, com estas políticas que abastardam o ensino do Português no estrangeiro, que negam aos portugueses e lusodescendentes a sua identidade linguística, vai perdendo gradualmente o contacto regular com as comunidades portuguesas.

Haverá alguma inteligência nisto? O que se pode esperar de um país que abandona os seus emigrantes?

pedro Patacha

In Diário de Notícias

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